Brasília – O clima entre o Supremo Tribunal Federal (STF) e o Palácio do Planalto azedou de vez. Ministros da Corte têm manifestado nos bastidores um crescente descontentamento com a articulação política do governo Lula (PT), em especial na forma como o presidente tem conduzido indicações para tribunais superiores e administrado embates entre os poderes.
As reclamações, feitas sob reserva, vão desde o desprestígio de magistrados na hora das nomeações até o acúmulo de pautas políticas na mesa do Supremo — como a recente disputa entre Executivo e Legislativo sobre a validade do decreto presidencial que aumentou as alíquotas do IOF (Imposto sobre Operações Financeiras).
Na semana passada, o relator do caso, ministro Alexandre de Moraes, suspendeu tanto o decreto de Lula quanto a tentativa do Congresso de anulá-lo. Em meio à queda de braço, Moraes convocou uma audiência de conciliação para o próximo dia 15. O impasse reativou a irritação de parte da Corte com a “falta de interlocução de alto nível” com o governo.
Segundo relatos, ministros têm cobrado que Lula escale figuras mais influentes para tratar de temas sensíveis no Judiciário, além do ministro da AGU, Jorge Messias. Nomes como o do vice-presidente Geraldo Alckmin e o do ministro da Justiça, Ricardo Lewandowski, têm sido apontados como mais aptos à função.
Mas foi uma indicação ao STJ que colocou lenha na fogueira. Em maio, Lula escolheu o juiz federal Carlos Pires Brandão para uma das duas vagas abertas no Superior Tribunal de Justiça. Brandão teve apoio do ministro Kassio Nunes Marques — indicado por Bolsonaro — e do governador do Piauí, Rafael Fonteles (PT). A escolha desagradou ministros como Flávio Dino, Gilmar Mendes e o próprio Moraes, que apoiavam outro nome da lista tríplice apresentada sete meses antes.
A disputa agora gira em torno da segunda lista, composta por membros do Ministério Público. A favorita do Planalto é Marluce Caldas, tia do prefeito de Maceió, João Henrique Caldas (PL), o JHC — político bolsonarista que busca aproximação com o governo. A movimentação irritou ministros que defendem o nome de Sammy Barbosa, do MP do Acre, e que criticam a adoção de critérios políticos para nomeações em cortes superiores.
A tensão se repete na sucessão do TSE. A ministra Cármen Lúcia, atual presidente do tribunal eleitoral, decidiu dividir em duas listas os indicados às vagas por gênero. Em uma delas, a favorita é Estela Aranha, ex-secretária de Direitos Digitais e apadrinhada por Cármen, Dino e Gilmar Mendes. Na mesma lista estão Vera Lúcia Santana de Araújo — apoiada por Lewandowski e Rui Costa — e a advogada Cristina Neves da Silva.
Na outra lista, estão os ex-membros do TSE André Ramos Tavares e Floriano de Azevedo Marques — ambos ligados a Moraes. Como Lula só pode escolher um nome, qualquer decisão tende a desagradar parte do tribunal, enfraquecendo a influência de ministros-chave e ampliando as feridas institucionais.
Ao fundo, permanece a cobrança por uma “interlocução qualificada” com o Supremo. Um ministro resume a crise em uma frase: “Falta governo no governo”.
Enquanto Lula tenta equilibrar alianças políticas e indicações estratégicas, o STF se vê cada vez mais como poder moderador entre os embates de um Executivo sem ponte firme com o Judiciário. E as próximas nomeações prometem mais tensão do que conciliação.